Araré Carvalho
Não temos notícias de outro país democrático que possua tantos militares alocados na gestão pública. Ao final do governo Temer (MDB-SP), havia 9 militares em cargos de comando; hoje, no governo Bolsonaro (sem partido), o número passa de 100 representantes das Forças Armadas em cargos de comando em estatais diretamente ligadas à União, e outros 6 mil atuam em cargos civis.
Para justificar a escalada de militares na gestão pública, Bolsonaro alega que militares são “soldados contra a corrupção” e ajudariam a combater o mal estrutural do Estado brasileiro. Turbinando essa tendência, no último dia 23 de junho, o presidente assinou um decreto alterando o prazo, antes de dois anos, agora indeterminado, para que militares da ativa ocupem cargos ou empregos públicos civis temporários.
Essa escalada militar não vinha ganhando tanto a berlinda do debate público. No entanto, foi a chegada de Pazuello ao Ministério da Saúde que colocou a militarização do governo na berlinda. Quando da sua efetivação (após quatro meses como interino), Pazuello trouxe consigo mais 22 militares para compor o Ministério da Saúde, todos, assim como ele, sem formação na área da saúde. A chegada do general da ativa ao Ministério, e sua participação em ato político junto ao presidente (agora como secretário de assuntos estratégicos), motivou a criação de uma PEC que está sendo discutida na Câmara, a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) propõe proibir a atuação de militares da ativa em cargos da administração pública.
O debate sobre a presença de militares no governo ganhou ainda mais força após a sessão da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da última quarta-feira, 07 de julho. Durante a reunião da Comissão, o senador Omar Aziz (PSD-AM) teceu críticas a militares que se envolveram nas transações obscuras na compra de vacinas. Na ocasião, a CPI ouvia Roberto Dias, ex-sargento da aeronáutica e ex-diretor do Ministério da Saúde. Dias é acusado de pedir propina ao cabo da polícia militar, Luiz Paulo Dominguetti.
Ao criticar as Forças Armadas, Aziz foi pontual em citar os “membros do lado pode das Forças Armadas”. No entanto a resposta das Forças Armadas veio num tom acima e no mínimo desconsiderando a fala do senador. Em nota assinada pelo ministro da defesa Walter Braga Neto e pelos comandantes da marinha, exército e aeronáutica, tecem críticas aos comentários de Aziz, dizendo que o senador estava “desrespeitando as Forças Armadas e generalizando esquemas de corrupção”. O texto que foi prontamente compartilhado pelo presidente Bolsonaro, erra (propositalmente?), pois Omar Aziz em nenhum momento generalizou o comportamento à todas as Forças Armadas. Esse melindre (lembranças Moro), das forças de defesa nacional demonstram que não entenderam o básico: “se não sabe brincar, não desce para o play”.
Quando aceitaram compor o governo, diretamente e indiretamente se alinham a uma série de posições, ideologias e métodos. E mais, quando vão fazer política, pois a gestão pública é acima de tudo política, estão sujeitos a “chuvas e trovoadas”. Ser membro do exército, marinha ou aeronáutica não dá imunidade a críticas.
Além do mais, críticas não são “ataques” e as Forças Armadas não pairam sobre os outros poderes da república para determinar se aceitará ou não críticas. Na nota autoindulgente, as Forças Armadas listam os adjetivos que acreditam possuir, e se colocam numa situação onde podem amealhar só elogios, e não aceitarão críticas (ataques) de qualquer natureza.
A posição de que as Forças Armadas se colocam no debate público/político (como salvadores da pátria e garantidores da república) mostra uma idealização de seu papel, além de pouco profissional quanto a sua função dentro de uma democracia.
Se a presença maciça de militares no governo é estratégica ou simplesmente corporativismo, só o tempo nos dirá.
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