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Um cardápio indigesto (parte 2) – a quem interessa a aprovação do PL dos agrotóxicos?


Carolina Corrêa



Em julho de 2018, eu escrevi o meu primeiro texto para o Blog Legis-Ativo e o tema foi o Projeto de Lei 6299/2002, que, na época, havia sido aprovado na Comissão Especial criada na Câmara dos Deputados [Um cardápio indigesto – a primeira vitória do PL dos Agrotóxicos]. Quase quatro anos depois, cá estou eu voltando neste mesmo assunto, pois, recentemente, no dia 9 de fevereiro, o Projeto de Lei foi aprovado, desta vez, no Plenário da Câmara dos Deputados. De fato, este parece aquele pesadelo recorrente que insiste em nos perturbar e, à cada noite, nos joga para mais perto do precipício.



Nessa votação em Plenário, 301 parlamentares votaram a favor, 150 votaram contra, além de 2 abstenções. Assim como aconteceu na votação realizada na Comissão Especial, em 2018, os partidos de centro-direita e direita sustentaram um posicionamento favorável à aprovação do projeto, já que os seus membros, em sua grande maioria, possuem conexões com a produção rural em larga escala, o agronegócio e/ou o ramo empresarial. As lideranças do PCdoB, PDT, PSB, PSOL, PT e REDE orientaram as respectivas bancadas a votar “não”. Minoria e Oposição também orientaram “não”. Maioria e Governo apontaram a votação no “sim”.


Cabe lembrar que o objetivo principal desse PL é flexibilizar o uso de agrotóxicos no país, para isso, propõe-se facilitar a aprovação e o registro de novos tipos de pesticidas (venenos!). Acontece que nos últimos cinco anos, 2.382 novos agrotóxicos já foram registrados no Brasil. O ano de 2021 bateu o recorde da série histórica registrada pelo Ministério da Agricultura desde 2000, com o registro de 562 novos agrotóxicos.





Fonte: Ministério da Agricultura



Como mencionado no texto que escrevi em 2018, já se utiliza no Brasil diversos tipos de agrotóxicos que são proibidos em outros países devido a sua periculosidade. A utilização de pesticidas pode levar a contaminação do solo e da água e gerar efeitos graves naquilo que chamamos de espécies não-alvo (aqueles bichinhos que nem iriam prejudicar a plantação) e isso afeta diretamente a biodiversidade de diferentes ecossistemas.

As perguntas que surgem, nesse contexto, são as seguintes: a quem interessa esse tipo de flexibilização? Será que os eleitores estão cientes da quantidade de veneno que pode rechear o cardápio dos brasileiros caso esse PL seja aprovado? O tem acontecido no país desde 2016 que tornou “necessário” esse aumento exponencial no registro de agrotóxicos? É a escassez alimentos? Alimentos para quem? Ao mesmo tempo em que se tem aumentado a quantidade de agrotóxicos registrados no país, mais brasileiros entram para lista daqueles que vivem na condição de insegurança alimentar – que sentem fome! Essa conta não fecha.


O fato é que existem interesses do agronegócio na aprovação desse PL. Essa é, sobretudo, uma sinalização do governo e de seus aliados para um conjunto específico de empresários que têm a ganhar com a flexibilização do registro de mais veneno a ser pulverizado e aplicado nas grandes lavouras do país. Nesse sentido, vale lembrar que o Relator do PL (na Comissão Especial e no Plenário na Câmara) foi o agricultor e comerciante de insumos agrícolas, Deputado Luiz Nishimori (PR). Além disso, esse projeto nasceu no Senado Federal (PLS 526/1999), e foi proposto pelo chamado “rei da soja”, o então senador Blairo Maggi (MT).



Agora, o PL volta para o Senado, devido às alterações que foram realizadas na Câmara dos Deputados. Espera-se, entretanto, que os senadores não compactuem com esse tipo de flexibilização, embora tal expectativa seja baixa, afinal, dentre eles, há poderosos representantes do agronegócio que utilizarão toda a sua expertise para aprovar o PL. Sem pensar no médio ou longo prazo, o que significa fazer vistas grossas para o que as suas práticas agrícolas podem causar na biodiversidade brasileira, esses atores políticos só vislumbram os seus lucros e privilégios. Entretanto, tragicamente, cedo ou tarde, todos nós pagaremos o preço.



Não faltam exemplos, dentro do nosso próprio país, de como é possível adotar diferentes estratégias de produção alimentar, utilizando menos agrotóxicos e preservando conscientemente os recursos naturais. O MST produz toneladas de arroz (e não só!) sem a utilização de fertilizantes e pesticidas. A produção de alimentos orgânicos só cresce no Brasil e é nesse tipo de agricultura que se deve investir. Ao invés de aumentar a quantidade de pesticidas, poderíamos aumentar o incentivo à produção de tecnologia e à adoção de práticas agrícolas que utilizem cada vez menos veneno. A agricultura de base orgânica, além de levar para a mesa do brasileiro uma comida mais saudável, protege a biodiversidade e sustenta práticas que colocam o país num cenário exemplar em termos de produção alimentar. Que consumidor, nacional ou internacional, quer escolher o seu alimento num cardápio manchado de veneno?

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