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Vamos falar MESMO de financiamento de campanha?

Humberto Dantas


Precisamos falar sobre financiamento de campanha. E o Brasil precisa ter maturidade para entender a complexidade desse debate. Ele não está associado apenas ao dinheiro público envolvido nas campanhas de maneira oficial. E aqui falo especificamente do Fundo Partidário, do Fundo Eleitoral e das isenções às emissoras de rádio e televisão que transmitem o Horário Eleitoral “Gratuito”. A democracia é cara? Sim. Mas qual o limite e como reajustar esses recursos de maneira republicana? Temos a dimensão do dinheiro LEGAL das campanhas?


Some aos bilhões públicos acima os valores doados por pessoas físicas, limitados a 10% do faturamento do cidadão no ano anterior àquele das eleições. Aqui desequilibramos ricos e pobres, o que precisa ser visto com cuidado. Na reta final do primeiro turno de 2018, por exemplo, um empresário do agronegócio havia doado quase R$ 7 milhões de reais. O que é isso: convicção ou investimento?


A pergunta, quando respondida com base na segunda alternativa, levou a justiça a barrar a participação das empresas como doadoras a partir do pleito de 2016. Aos olhos das interpretações do Judiciário, CNPJ não deve ter posição. Isso é questionável, mas será que o cidadão também não faz contas na hora de aplicar em campanhas? E olhe que aqui sequer falamos do autofinanciamento de campanhas, que colocam empresários, e gestores trabalhadores, em situação de extrema vantagem sobre os demais. Olhemos para o caso de Henrique Meirelles e o que ele fez com o próprio dinheiro em 2018. Ou, ainda, Barueri em 2016.


Mas vamos seguir no cidadão investidor. Nas últimas eleições para a Prefeitura do Rio de Janeiro, por exemplo, o candidato apoiado pela situação acumulou, em doações de apenas um grupo de comissionados (cargos de confiança na máquina pública), mais recursos que alguns de seus principais adversários somados. Repito a pergunta: convicção ou investimento? Quando levantamentos de 2017 da FIRJAN mostravam que em cerca de 10% das cidades do Brasil as prefeituras eram responsáveis por mais de 90% da mão de obra formalmente ocupada no município, qual o peso de investir na sobrevivência para a manutenção da dignidade?


Pois bem: chegamos num ponto relevante aqui. Se o objetivo é falar sobre os servidores públicos, dois pontos merecem mais atenção. O primeiro nos remete ao debate do fim dos anos 90 que culminou na aprovação da Lei 9.840/99, considerada a primeira de iniciativa popular de nossa história, que criminaliza o uso da máquina administrativa em benefício das campanhas. A despeito desse louvável esforço, que tem amparado decisões da justiça, ainda convivemos com os recessos brancos do Poder Legislativo em anos eleitorais, bem como com gabinetes parlamentares que são verdadeiros comitês eleitorais perenes.


A própria forma de comunicação dos legisladores com a sociedade, em ritmo de discurso em primeira pessoa, desafia princípios constitucionais basilares atrelados à impessoalidade. Em alguns parlamentos, a existência de assessores de comunicação individuais é o símbolo dessa política egocêntrica. E aqui ainda é preciso somar a mais robusta das máquinas: o Poder Executivo. Nos últimos dias, para concretizar o argumento, o presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul foi cassado porque seu irmão prefeito extrapolou o razoável e colocou a Prefeitura de Bagé, segundo a acusação, a serviço da eleição familiar – cabe recurso.


Todo esse cenário é conhecido. Em “A Política como Vocação”, Max Weber já falava, no início do século XX, que os partidos são sustentados, em grande parte e em diversos sentidos, pelos empregados públicos que ocupam espaço político nas máquinas. O autor se mostrava incomodado e enfileirava exemplos de diversos países. Temos a dimensão disso?


A despeito dos bilhões já somados até aqui, um último ponto tem sido ignorado em nosso desafio de entender o que significa o investimento que o Brasil faz em campanhas. Você sabia que os servidores públicos concursados têm condições especiais para a disputa de eleições? Isso mesmo, é lei: eles podem ser candidatos, o que é democrático, mas para isso têm licenças especiais REMUNERADAS. O regramento fala em três meses para a imensa maioria das carreiras, lembrando que desde 2016 sequer a campanha tem 90 dias, elas agora possuem 45. E o que fazem os servidores com esse direito? Muitos deles o gozam.


Alguns se candidatam e vão passar férias fora do Brasil. Com votações pífias alguns já têm sido perseguidos pelo Ministério Público. Outros se candidatam para cargos no Poder Legislativo ajudando na campanha majoritária em troca de benefícios na carreira. Não é incomum ver o servidor municipal que INVESTE em uma candidatura a vereador para colaborar com seu candidato a prefeito. Em troca: um cargo melhor em caso de vitória, mesmo que sua votação seja mínima. O que você acha disso? Muitos servidores comemoram e chamam de direito, o que faz com que esse seja o segmento profissional mais bem representado no Brasil. A discussão é longa, mas imagine o oposto: um banco, por exemplo, que pague três meses de salários para um grupo de funcionários fazer campanha sem aparecer na firma. O que a justiça eleitoral faria? Acusaria a empresa de financiamento privado, a puniria, falaria em desequilíbrio do jogo, invalidaria a candidatura e diria que combateu a corrupção.


Pois bem, diante de tudo isso e com base em uma pesquisa preliminar, proponho o seguinte exercício: quanto isso tudo pode ter custado nas eleições municipais de 2016? Vou me utilizar desta, pois se trata do pleito que mais mobiliza candidatos no país. Ao todo foi meio milhão de nomes. Isso mesmo: 500.000 candidatos e candidatas a prefeito, vice-prefeito e vereador. Vamos tomar apenas esse último grupo, com 463,4 mil nomes envolvidos.


Para evitar exageros, deixei de fora 157 ocupações com menos de 500 citações, ou quase 18 mil pessoas. Ou seja: posso estar subdimensionando o problema. Assim, vamos aos totais declarados: 30.592 servidores públicos municipais, 11.491 professores de ensino fundamental, 8.217 professores de ensino médio, 5.229 servidores públicos estaduais, 3.667 agentes de saúde ou sanitaristas, 3.027 policiais militares, 1.514 servidores públicos federais, 945 policiais civis e 613 operadores de máquinas agrícolas e florestais. Temos aqui um total de 65.295 cidadãos.


Como os professores e alguns outros exemplos acima podem ser também da rede privada, e não temos como observar isso, vou “compensar” ignorando médicos, enfermeiros e auxiliares, professores de ensino superior, assistentes sociais, fisioterapeutas, psicólogos, farmacêuticos, terapeutas ocupacionais e contadores. Para ser ainda mais cuidadoso, se tomarmos apenas o que nitidamente é servidor público na lista teremos 44.974 pessoas.

Agora suponhamos um salário médio de R$ 2.000. Multiplique 65.295 servidores por 3 meses e teremos quase 200 mil meses de licenças, ou: R$ 391 milhões em 2016. No caso mais conservador, com 44.974 candidatos, teremos quase R$ 270 milhões. Posso incluir nessa conta os que se disseram “vereadores” em 2016, e se beneficiaram dos recessos brancos: inclua aqui à sua conta predileta R$ 132 milhões. Esse último ponto é ainda mais polêmico.


A despeito de minha imprecisão, e com base no “espírito da coisa”, chegou a hora de calcular o preço das campanhas e como elas são financiadas pelo universo público. Não se trata de perseguir servidor, mas de igualar condições de forma republicana e urgente.


Palavras-chave: Movimento Voto Consciente, Poder Legislativo, Poder Executivo, Financiamento de campanha, dinheiro público, Fundo Partidário, Fundo Eleitoral, Poder Judiciário, servidores públicos.


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