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E as emendas parlamentares em tempos de COVID-19: necessárias ou moeda de troca?

Vítor Sandes, Raul Bonfim e Bruno de Castro Rubiatti.


As emendas orçamentárias dos senadores e deputados federais são constantemente pautadas no debate público. Não é estranho olharmos o noticiário e vê-las no centro das análises sobre os determinantes da relação Executivo-Legislativo no Brasil. Em sua maioria, essas análises veem as emendas como algo nocivo à democracia brasileira. Essa visão pessimista foi construída, principalmente, a partir do estabelecimento de uma falsa simetria entre as emendas pagas pelo governo e o apoio legislativo dado à agenda presidencial. Mesmo sem possuir qualquer base empírica, essa imagem do sistema político tem dominado parte do imaginário brasileiro, o que por sua vez acaba reduzindo o papel das emendas a uma simples moeda de troca.


Outro argumento indica que as emendas não são moeda de troca, mas um meio de os parlamentares influenciarem no processo de implementação de políticas públicas. Neste ponto, duas posições se sobressaem.


Para a primeira posição, a alocação dos recursos parlamentares se daria em troca de apoio eleitoral. Nesse sentido, a imagem das emendas fica ligada à de “curral eleitoral”, com parlamentares destinando recursos para suas bases eleitorais, sem se importar com critérios socioeconômicos ou mesmo com um planejamento mais geral da política pública. Esse tipo de destinação de recursos levaria a uma ineficiência dos gastos públicos.


Em contraposição, há estudos que mostram que as emendas parlamentares individuais induziriam a uma distribuição de recursos favorável a municípios de menor renda per capita – mesmo que esses sejam populosos –, o que reduziria as desigualdades intermunicipais. No mesmo sentido, os argumentos favoráveis às emendas parlamentares apontam que elas teriam maior capacidade de atender as demandas objetivas da população, uma vez que os parlamentares teriam melhores condições para compreender as demandas de suas regiões. Somado a isso, as emendas parlamentares individuais reforçariam o vínculo do parlamentar com os eleitores. Desta forma, as emendas deixam de aparecer como elemento negativo uma vez que reforçariam o papel de representação e possibilitariam uma distribuição de recursos de forma a diminuir as desigualdades entre os diferentes entes federados.


Se as emendas são tão relevantes, para onde estão indo os recursos provenientes de emendas orçamentárias em época de COVID-19? Elas estão beneficiando, de fato, a população?


Até a data de 24 de junho de 2020, o Ministério da Saúde executou um total de 11,5 bilhões de reais referentes ao orçamento previsto para o combate à COVID-19. O governo federal desembolsou apenas 29,3% de um total de 39,3 bilhões reservados para o enfrentamento da pandemia. Do montante pago até o momento, consta que 1,4 bilhão são exclusivos das emendas de bancadas estaduais inseridas na ação específica de “enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus”. Isto é, 12% dos valores pagos são oriundos de ações legislativas referentes às emendas. Todavia, se considerarmos outras despesas de combate à pandemia que não integram diretamente a ação citada, a contribuição do Legislativo pode ser ainda mais relevante, especialmente se levarmos em conta também as emendas individuais.


O presidente da República anunciou, em 20 de março deste ano, a oportunidade para que os parlamentares realizassem alterações orçamentárias em suas indicações de emendas individuais – aprovadas no ano anterior – para ações de enfrentamento ao Coronavírus. Em 24 de abril de 2020, a Secretaria Especial de Relações Institucionais do Governo (SRI), encaminhou para os Órgãos Setoriais, um documento contendo as regras e esclarecimentos acerca da realização de alterações orçamentárias. O documento solicitava que o remanejamento de dotações referente a emendas individuais fosse efetuado, preferencialmente, para a ação de “enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus”. O documento indicava também que seriam aceitos os pedidos de remanejamento de dotações para as seguintes ações previstas no orçamento: “incremento temporário ao custeio dos serviços de atenção básica em saúde para cumprimento de metas” e “incremento temporário ao custeio dos serviços de assistência hospitalar e ambulatorial”.


Para o orçamento anual de 2020, os deputados e senadores brasileiros destinaram, através de suas emendas individuais, 5,42 bilhões de reais para o Ministério da Saúde e 4,04 bilhões para os demais Ministérios. Até a presente data, o governo desembolsou 3,40 bilhões do valor solicitado, ou seja, 36% do total. Deste, 3,39 bilhões foram para o Ministério da Saúde, o que equivale a quase 100% do valor. Quando consideramos os valores pagos por ação, 98% (3,32 bilhões) são referentes às ações de incremento temporário listadas acima. Além disso, também foram pagos para essas mesmas ações 106 milhões de reais referentes a emendas de bancadas estaduais.


Se avaliarmos todas as ações vinculadas ao Ministério da Saúde que podem receber emendas orçamentárias para o enfrentamento à COVID-19, os valores totais pagos pelo Ministério giram em torno de 15 bilhões. Deste montante, os valores de emendas (individuais e de bancadas) pagas entre todas as ações destacadas correspondem a 33,3% do valor total pago. Com isso, podemos observar não apenas que o Legislativo tem contribuído de forma assídua para o combate a pandemia através do realocamento de suas emendas, mas que esses recursos têm sido um dos pilares da execução orçamentária do Ministério da Saúde.


No entanto, alguém pode argumentar que, mesmo as emendas servindo para implementar ações fundamentais no combate à COVID-19, elas também poderiam ser utilizadas como moeda de troca. O problema deste argumento é que as emendas parlamentares são de execução obrigatória, cabendo ao chefe do Executivo, apenas, controlar o timing da execução ao longo do ano. Assim, alguém poderia afirmar: como emendas importam, o presidente favorecerá os parlamentares de partidos mais alinhados ao seu governo, executando suas emendas mais rapidamente. Então, vamos ver o que os dados nos dizem.


Gráfico 1 – Box-plot do percentual dos valores de emendas parlamentares individuais pagas para a Saúde para deputados federais em relação ao total de emendas destinadas – de janeiro a 23/06/2020.


Devido ao limite de tamanho deste artigo, apresentamos apenas o box-plot do percentual de emendas parlamentares individuais dos deputados federais, destinadas para a área de saúde, pagas até o momento. Selecionamos os 10 maiores partidos, que representa emendas de 373 deputados (72,7% do total). Observamos que, mesmo o presidente controlado o timing de pagamento, ele não beneficiou somente parlamentares dos partidos de sua base.


O PT, por exemplo, um dos principais partidos de oposição, com maior bancada da Câmara dos Deputados, contou com uma alta média e mediana de pagamentos, superiores ao PSL, que é um dos partidos que mais possuem deputados que apoiam o presidente. Os percentuais de pagamentos do PT, inclusive, foram similares aos do PSD, que tem sido enquadrado como partido do centrão. A mediana de todos os partidos é superior a 50%, o que quer dizer que metade das bancadas dos partidos tiveram mais da metade dos valores de suas emendas para a saúde pagas até o momento.


Pelo argumento daqueles que entendem as emendas como “toma-lá-dá-cá”, elas teriam que beneficiar os partidos alinhados ao governo em detrimento dos partidos de oposição. Mas não é assim que funciona na prática. Por quê? O Governo Federal necessita que as emendas parlamentares sejam pagas para que as ações definidas no orçamento sejam, de fato, executadas. Sem as emendas parlamentares, políticas públicas podem, simplesmente, não chegar na ponta. É interesse do governo que tanto emendas do PT quanto do PSD sejam pagas. Em uma pandemia como esta, que atinge todo o território brasileiro, as emendas têm se mostrado ferramentas fundamentais para incrementar a saúde pública do país.


Palavras-chave: Movimento Voto Consciente, Poder Legislativo, Poder Executivo, emendas parlamentares, pandemia, covid19, coronoravírus, deputados federais, senadores, Ministério da Saúde, governo federal, orçamento público, municípios.

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