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O que dizem os vetos presidenciais derrubados pelo Legislativo durante a pandemia?

Luciana Santana e Elaine da Silva Gontijo


Desde que a pandemia de Covid-19 foi decretada pela Organização Mundial da Saúde, em 11 de março de 2020, o país tem lidado com problemas de coordenação de ações e estratégias de combate ao novo coronavírus por parte do governo federal. A posição do presidente Jair Bolsonaro é declaradamente negacionista. Além de não assumir papel de liderança no enfrentamento da maior crise sanitária no país, utiliza o conflito como estratégia política. Enquanto isso, deputados e senadores passaram, desde o primeiro momento, a ocupar um papel de protagonismo, com a adoção de sistemas de deliberação remota - tanto pela Câmara quanto pelo Senado - que viabilizaram a continuidade da atividade legislativa, culminando na proposição e aprovação de importantes projetos ligados às ações de enfrentamento à pandemia.



E justamente em virtude dessa ocupação da agenda por parte dos parlamentares, um tema que tem chamado a atenção dos especialistas e da opinião pública, em meio à pandemia, diz respeito a projetos aprovados pelo Congresso, mas que não contam com a concordância do presidente da República. Esses projetos têm sido vetados, em partes ou inteiramente, pelo chefe do Executivo.



Ao vetar um projeto, o presidente precisa apresentar justificativas que podem ser de cunho jurídico, atestando inconstitucionalidade da decisão, ou de cunho político, alegando que fere interesses mais amplos da população. A decisão final, entretanto, cabe ao Congresso que pode manter ou derrubar o veto.



A derrubada de um veto presidencial, de certa forma, pode sugerir a ocorrência de conflito entre os poderes, ou fragilidade na negociação e articulação por parte do Executivo. Para que um veto do presidente da República seja derrubado é necessário o voto de, pelo menos, 257 deputados na Câmara e 41 votos no Senado, concomitantemente. Se os deputados decidem pela manutenção de um veto, a decisão é final, ou seja, a análise nem chega ao Senado. O mesmo ocorre quando os senadores mantêm um veto a projeto iniciado na Casa. Nesse caso, a Câmara não se pronuncia.



Vetos presidenciais, bem como a derrubada dos vetos presidenciais podem indicar sucesso ou fracasso do Presidente? Em tese, o êxito do presidente na relação com o Legislativo é decorrente da sua capacidade de formar de coalizões e do uso de ações estratégicas junto aos líderes partidários de sua base no Legislativo. Na ausência dessa condição, podemos nos ater à capacidade individual do presidente na condução desse processo, que pode ter sua atuação limitada pela própria dinâmica institucional da relação entre os poderes. Há que se considerar também que, as ações e decisões presidenciais e dos parlamentares nem sempre são previsíveis, pois são influenciadas por fatores diversos, sejam eles institucionais, políticos ou econômicos, e dependem do contexto nos quais as decisões são realizadas.



E como podemos interpretar os vetos presidenciais, tal qual a alta quantidade de vetos derrubados pelo Congresso, especialmente durante a pandemia?

Desde o início do mandato do presidente Jair Bolsonaro, a derrubada de vetos presidenciais tem sido frequente e já ultrapassa a quantidade de vetos dos presidentes que o antecederam, mesmo tendo exercido apenas 18 meses de mandato até o momento. E esse número tende a se ampliar, caso todos os vetos que aguardam apreciação de fato venham a ser votados.


Gráfico: Quantidade total de vetos presidenciais e vetos derrubados pelo Congresso Nacional em cada governo.


Fonte: Elaboração própria com base em informações do Congresso Nacional até o dia 19/08.

A dificuldade de articulação do governo fica evidente inclusive pelo tempo que se levou do início da apreciação de proposições pelo sistema remoto de deliberação até a primeira sessão convocada (e realizada) para que os parlamentares opinassem sobre os vetos. O Senado realizou a primeira sessão deliberativa remota no dia 20 de março, enquanto que na Câmara a primeira sessão virtual se realizou no dia 25 de março. A primeira Sessão do Congresso (Câmara e Senado, conjuntamente, embora em períodos diferentes) realizada para apreciação de vetos no período da pandemia, no entanto, ocorreu apenas no dia 12 de agosto, não sem antes ter sido marcada e cancelada algumas vezes. Inicialmente, a justificativa adotada para os cancelamentos era a inviabilidade técnica. Posteriormente, no entanto, assumiu-se que as sessões não estavam ocorrendo por não haver acordo para a apreciação das matérias. A "falta de acordo" referia-se à ameaça dos parlamentares, de oposição ou não, de derrubar vetos considerados cruciais para o governo, fosse por razões econômicas, como era o caso do congelamento dos salários dos servidores, fosse por razões políticas, como o projeto de lei que instituiu a obrigatoriedade do uso de máscaras.



O responsável por convocar (e cancelar) as sessões é o Presidente do Congresso Nacional, atualmente o senador Davi Alcolumbre (DEM/AP), conhecido por sua proximidade com o governo. Alcolumbre lançou mão de algumas manobras vistas pelos pares como não-regimentais para que as propostas pudessem ser apreciadas no "momento mais adequado". Exemplo disso é a inversão da ordem de apreciação dos vetos presidenciais, não prevista nas normas de tramitação que ditam os ritos a serem adotados durante as sessões.



Chama a atenção que o início da apreciação dos vetos coincida com uma nova fase da relação entre o Presidente e lideranças de partidos do intitulado “centrão”, inclusive com alteração do líder do governo. Porém, essa aproximação não tem se revertido necessariamente em êxito na negociação prévia à aprovação dos projetos e tampouco na manutenção dos vetos. Prova disso é o adiamento persistente de algumas discussões, como a do projeto de lei anti-crime, aprovado ainda no período anterior à pandemia, quando o Ministério da Justiça estava sob o comando do ex-juiz Sérgio Moro. Assim como este projeto, persiste a dificuldade do governo em se articular para manter os vetos a questões em que destoa da vontade de sua pretensa nova base. O fator "eleições municipais" também se torna um problema, visto que por vezes os parlamentares não querem se indispor com suas bases para manter algum veto que seja visto como mais polêmico ou de maior apelo.



A dificuldade de articulação interna fica evidenciada, ainda, em casos em que os parlamentares acusam o governo de não manter os acordos firmados no decorrer da tramitação das matérias. Nesta seara podemos inserir o que ocorreu recentemente com o Veto 17/2020, a respeito do congelamento dos salários dos servidores públicos. Considerada uma medida primordial para o ajuste das contas públicas por parte do Ministro da Economia, Paulo Guedes, a medida vetada permitia o congelamento dos salários e benefícios de todos os servidores públicos, da União, Estados e Municípios, até 2021.


Ocorre que, no decorrer da tramitação da matéria no Senado, o governo firmou acordo para redação que excluía do congelamento os profissionais de determinadas carreiras, com atuação direta no combate à pandemia. Este acordo de redação não foi o suficiente para que o governo não vetasse a exceção, veto este derrubado pelo Senado, por onde se iniciou sua tramitação, e posteriormente mantido pelos deputados, após ataques diretos de Guedes aos senadores por meio da imprensa. Descompassos como esse acabam por gerar desconforto entre líderes e parlamentares, dificultando ainda mais a construção de novos acordos e resultando em novas razões para veto por parte do presidente.



Há, ainda, a previsão de novas sessões do Congresso para apreciação de vetos presidenciais pelo sistema remoto de deliberação. Cabe observar se a nova conformação de aliados do governo, especialmente na Câmara, conduzirá a uma redução do número de vetos apostos pelo presidente. Ou, ainda, se esses serão mantidos em maior quantidade, passada a fase de ajuste de coalizão.

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