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Uma década das Jornadas de Junho de 2013 e o que veio depois...

João Paulo Viana



Em junho de 2013, o País vivenciava uma série de manifestações de rua que não ocorriam desde o Fora Collor, em 1992. O movimento, conhecido como Jornadas de Junho, marcou os rumos da sociedade brasileira, inaugurando, inclusive, uma conjuntura que, mais à frente, teria consequências diretas no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016; e, posteriormente, na eleição de Jair Bolsonaro (PSL) à presidência, em 2018. Ademais, àqueles acontecimentos podemos creditar também o início do acirramento de uma polarização ideológica, entre a esquerda, e uma nova, e radicalizada, direita, à época, desconhecida dos mais argutos analistas. Importante mencionar que embora a polarização política fosse uma realidade desde a década de 1990, exposta, fundamentalmente, pelo bipartidarismo da eleição presidencial entre PT e PSDB, e seus respectivos grupos ideológicos, é a partir de 2013 que o quadro se radicaliza e passa a denotar nos anos seguintes algo danoso à jovem democracia brasileira.

O estopim para a eclosão das manifestações de junho de 2013 foi o reajuste da tarifa de ônibus na capital paulista. A partir do Movimento Passe Livre (MPL), com a injeção de poder das redes sociais, milhões de pessoas saíram às ruas pelo Brasil, ainda que sem uma plataforma concreta e, visivelmente, sem uma liderança vertical. A reivindicação contra o aumento da passagem serviu como uma espécie de ponta do iceberg, expondo gravíssimos problemas da vida urbana nas metrópoles. Mesmo diante de demandas difusas, parte das pessoas saía às ruas porque buscava o aceleramento das mudanças sociais iniciadas, aproximadamente, uma década antes, e devido, principalmente, ao contexto de crise mundial, estancaram. O descontentamento popular também tinha como alvo os gastos públicos com a Copa do Mundo de 2014.

Por outro lado, temas como anticorrupção e antipartidarismo emergiram naqueles dias de outono, sob forte negação às instituições políticas. Em especial, um sentimento de antipetismo crescente, impulsionado meses antes pelo julgamento do Mensalão. O que seria agravado no ano seguinte com o início da operação Lava Jato. Desse modo, o “lavajatismo” encontrou terreno fértil para sua consolidação na sociedade, principalmente, a partir de setores das classes média e alta, opositores ferrenhos do governo petista. A direita brasileira, até então, tida por estudiosos como “envergonhada”, assumia posição como campo ideológico, organizado e ativo. Assim, os eventos de junho de 2013 contribuíram fortemente para o rompimento do pacto classista entre o proletariado e a grande burguesia nacional, assentado sob um programa econômico inspirado no Keynesianismo, que havia sido a base de sustentação dos governos petistas durante a era Lula. Cumpre frisar que é no contexto das Jornadas de Junho que eclodem os primeiros gritos de impeachment contra Dilma Rousseff (PT).

A partir daí, o que se observou foi recrudescimento de uma conjuntura que se radicalizava a passos largos e abaixo crescentes manifestações de ruas de um incipiente e organizado ultraconservadorismo. Na eleição de 2014, após uma disputada corrida presidencial entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), que marcou a reeleição de Dilma, a recusa do PSDB em aceitar o resultado do pleito, o agravamento da crise econômica, os escândalos de corrupção na Petrobrás, juntamente com a elevada insatisfação popular evidenciada pelas crescentes manifestações de rua da nova direita brasileira, sem dúvida, podem ser considerados como os principais elementos desencadeadores do processo de impeachment de Dilma, no ano de 2016. Ressalta-se também o papel do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), que exerceu como protagonista tal processo, dando início, inclusive, durante sua gestão, a uma nova dinâmica na relação entre Executivo e Legislativo.

Ao passo que Michel Temer (PMDB) assumia a presidência, a Lava Jato seguia sua “missão de mudar o País”, por meio do “combate à corrupção”. O velho discurso anticorrupção, muito conhecido em outros momentos da vida política nacional, retomado pelas manifestações de junho de 2013, servia, outra vez, como a principal bandeira do campo conservador, agora, representado por uma nova e radicalizada direita brasileira. Sob medidas equivocadas e, muitas vezes, por cima da própria Constituição Federal, o objetivo era “passar o Brasil a limpo”, mesmo que isso representasse a união entre quem acusa e quem julga. Assim, no ano de 2018, a prisão de Lula pelo então Juiz Sérgio Moro abriu o caminho para a vitória à presidência do candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro, então filiado ao PSL, num processo político iniciado cinco anos antes, a partir daquele outono de 2013, quando a nova direita emerge, aproveitando-se de uma conjuntura levantada por grupos de uma esquerda, também radical, porém, minoritária.

Como bem recordou recentemente, em primoroso artigo sobre o tema, o cientista político da Unilab, Cláudio André Souza, embora as manifestações de junho de 2013 tenham sido iniciadas pela esquerda, e levado às ruas múltiplas vozes, não se pode negar que o predomínio da direita estimulou novas manifestações que viriam a se constituir como uma das principais inovações da política brasileira na década passada. Interessante notar, ainda sob o argumento de Souza, que, se por um lado, protestos podem ser observados como legítimos, expressando as tensões derivadas da própria natureza da democracia, essas manifestações também podem ser utilizadas para derrubar governos da mesma forma legítimos e apoiar, inconsequentemente, autoridades nada comprometidas com ideais democráticos e da justiça. De fato, ao que parece, os paradoxos do mês de junho de 2013 ainda permanecerão por muito tempo no imaginário da sociedade brasileira.



Créditos da imagem: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

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